sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Calo

Resignei-me. Não ousei contrariar. Era perigoso de mais.
Aceitei mais um calo
E a palavra que não saía, escondida, feria a alma.
O instante da dúvida, subsidiado pleo medo de errar, não dizendo não, também não disse sim.
Não disse nada. Calou em si.
Afasta, afasta de mim essa cálice
Era o meu clamor quando a sua ausência torturava o peito.
Calos de dor.
Nunca nada fora sólido
Por isso não me surpreendia que se desmanchasse no ar.
No princípio eram bolhas vermelhas do aperto. Estouravam.
Pele rompida. Carne sujeita. 
Abriam-se as feridas e suas incertezas.
E meus calos doem.
Por que será que ainda resisto a tirar estes sapatos?
Se sei que pés no chão é vida na terra?
Renúncia
Não é e nunca será
Caminhei sozinha por lugares já devastados
E nada que eu falasse mudaria a tática
Os sinais não eram vistos
Calei-me
Contida menina-mulher tentava fazer daquelas lágrimas remédio curador de minhas feridas, de meus calos.
Tento despir-me do passado. Prosseguir nua, nua de alma.
Não, ainda não me armo.
Tento avistar um horizonte nesse caminho errante
Porque todos vivem calando suas dores. Curando os calos e as recusas que tangem suas almas
Mas talvez "nem toda confissão seja uma vitória da tortura, porque às vezes a pior tortura é ter a voz silenciada",como diria Renato Janine. Por isso, eu sei:
Dos calos de minha vida 
O que mais dói é aquele que precisou silenciar-te dentro de mim. 

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Volver

Repousa no silêncio, no olhar distraído vislumbrando o nada, aquela existência inaudível no meio da multidão. Ele reporta-se as suas lembranças.
Lembranças: aquilo já não é
É porque se gosta
É porque marcaram
É porque ainda significam
Que as mantemos indeléveis em nossa mente
E quando se quer ou até quando não se quer, e nem se percebe, volvemos a elas.
Alegrias, gestos, palavras, canções, rostos e deflagrações
O sol que nasceu. A chuva que desceu
A criança que gritou. O vizinho que brigou
O beijo com ardor. Aquele professor
A volúpia na cama. A dor de quem ama
A fala sem pausa. O dia do silêncio
A mão que se estendeu. O vão que se deu
A lama e a mala
A vida e a morte
A saudade

Do que você lembra?? Do que quer lembrar?
Tem gente que deixa de viver, amargando as dores do passado
Tem gente que deixa de querer, querendo o passado.
Uma volver contínuo, por  vezes insípidos.
Um volver esmaecido, querendo o calor do que já está adormecido.
O Volver de Gardel, com sua alma apegada a uma doce memória.

O Volver de Almodóvar e de suas inebriantes mulheres, na fibra e no osso.

O volver da menina, de sonhos pueris, que se vê envolvida em uma trama infeliz.

O volver do gajo, de jeito quieto, na beira do Tejo, pronto a pular.

O mal resolvido está na memória e a ela dilacera.
Sem demora, é preciso volver, revolver o passado, enxergar suas tramas.
Retorne para elaborá-lo na minúcia do pensamento. Para ressignificá-lo.
Às lembranças, dar a leveza que merecem.
Porque o problema não é voltar. É querer ficar por lá. É enovelar-se e não mais conseguir sair.
Retorne e tenha a capacidade de lembrar e de esquecer.
Retorne para também redescobrir o "viver por vários motivos"
Volver para perceber que o presente ainda existe.